domingo, 12 de dezembro de 2010

Países fecham acordo e cúpula do clima surpreende

Reunião termina com a criação de Fundo Verde e de mecanismo de compensação financeira para quem preservar suas florestas

Afra Balazina - O Estado de S.Paulo

Com protestos da Bolívia, os quase 200 países reunidos na Conferência do Clima da ONU (COP-16), em Cancún, no México, aprovaram no encerramento da reunião, na madrugada de ontem, um pacote para combater o aquecimento global no mundo.
Henry Romero/Reuters
Henry Romero/Reuters
 
Marco. Euforia da ministra mexicana Patricia Espinosa (à esq.) e Christiana Figueres, da ONU
Entre as decisões está a criação de um Fundo Verde para permitir que os países em desenvolvimento recebam recursos das nações industrializadas para poderem reduzir suas emissões de CO2. Também foi estabelecido o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd), relevante para países com florestas, como o Brasil. Por meio dele, pode haver a compensação financeira para quem mantiver suas matas.
As medidas não têm a ambição considerada necessária para resolver o problema. O resultado, porém, foi visto como importante para a manutenção das negociações multilaterais e como um passo fundamental em direção ao fechamento de um acordo com valor jurídico no futuro.
Para a Bolívia, porém, as decisões do chamado Acordo de Cancún representam um recuo em vez de um avanço. O embaixador Pablo Solón, representante boliviano, declarou que as medidas permitirão um aumento da temperatura de até 4º C - os cientistas avaliam que para evitar os perigos das mudanças climáticas é necessário limitar a elevação a 2ºC. Solón tentou bloquear a adoção do acordo ao alegar falta de consenso.
"Consenso não significa unanimidade", respondeu Patrícia Espinosa, presidente da COP-16 e ministra das Relações Exteriores do México. E bateu o martelo, anunciando a decisão de adotar o acordo.
Fantasma. As expectativas para a reunião no México estavam baixas depois do fracasso em 2009, em Copenhague. Há tempos que se falava em obter um pacote de decisões e não se esperava que houvesse um acordo legalmente vinculante em Cancún - o que deveria ter ocorrido na COP-15. Ainda não se sabe se será possível alcançar o tratado com valor jurídico na COP-17, em Durban, África do Sul.
A ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, deu 7,5 de nota para a conclusão alcançada e classificou o documento como "equilibrado, embora não seja perfeito". Ela gostaria que tivesse sido definido o segundo período de compromisso do Protocolo de Kyoto, o que não ocorreu. O primeiro período se encerra em 2012. "Mas temos de entender que tudo tem um momento", disse.
Os países concordaram, porém, em evitar uma interrupção das metas de corte de emissões de gases-estufa. Ou seja, as nações precisam definir antes de 2012 a adoção de novas metas.
O ambiente no hotel Moon Palace, sede da COP-16, era muito menos tenso que o do Bella Center, em Copenhague, em 2009. Houve poucos protestos e a presidente da COP-16 foi ovacionada algumas vezes na última madrugada de negociações.
Além de ter sido aplaudida de pé pelos representantes dos países, foi elogiada insistentemente pela forma como conduziu o processo. Ela tomou extremo cuidado para que a negociação acontecesse da forma mais transparente possível, para evitar a falta de confiança entre os países observada no ano passado, quando vários textos secretos circulavam e reuniões fechadas entre poucas nações irritavam as que não haviam sido convidadas.
"Graças à boa vontade de vocês, a confiança voltou, a esperança voltou", afirmou o presidente do México, Felipe Calderón, que chegou à reunião às 3h30 e fez um discurso.
Estados Unidos. Geralmente o vilão das negociações climáticas - por não ter ratificado o Protocolo de Kyoto e ser o maior emissor histórico de gases-estufa do mundo -, os Estados Unidos foram aplaudidos ontem quando Todd Stern, enviado especial do país para a mudança climática, afirmou na plenária: "Vamos fazer esse acordo". A China, que é a maior emissora atual de CO2, também apoiou o documento e disse que continuará o esforço para o desenvolvimento limpo.
Connie Hedegaard, comissária da União Europeia para clima, contou que tinha medo de que nada fosse feito. "Podemos ter orgulho do que conseguimos, mas temos muitos desafios no caminho para a África do Sul", disse Connie.

NEGOCIADORES
Pessoas que se destacaram durante a conferência:
Patricia Espinosa
Presidente da COP-16, é ministra das Relações Exteriores do México. Ovacionada pelos representantes dos países três vezes na sexta, foi chamada "transparente". A forma como conduziu a reunião foi muito elogiada.
Christiana Figueres
A costa-riquenha é a secretária executiva da convenção. Teve participação discreta, se comparada ao antecessor, Yvo de Boer. Chamou menos a atenção e falou pouco com a imprensa.
Pablo Solón
Embaixador da Bolívia, é figura polêmica. Foi vaiado em uma plenária, bloqueou as negociações. É adepto do tudo ou nada.
Jairam Ramesh
O ministro indiano do Meio Ambiente parecia um astro pop, sempre cercado de jornalistas. Ganhou a simpatia dos EUA, Japão e Europa por sua liderança entre os países emergentes.

PARA ENTENDER
1.Limite de temperatura
O documento assinado na COP-16 reconhece a necessidade de cortar as emissões para limitar a elevação da temperatura a 2° C. Também diz que deve ser feita uma revisão desse objetivo para que o limite seja reduzido a 1,5° C. A análise deve começar em 2013 e ser concluída em 2015.
2.Fundo Verde
O texto cria o Fundo Verde, que será administrado pela Organização das Nações Unidas. O tesoureiro interino será o Banco Mundial, por um período de pelo menos três anos.
3.Financiamento de curto prazo
No chamado Fast Start Finance, os países desenvolvidos deverão desembolsar US$ 30 bilhões até 2012. Os recursos serão divididos em mitigação (corte de emissões) e adaptação (para os países se prepararem para as alterações climáticas). A prioridade dos recursos será para países mais vulneráveis, como as nações-ilhas e a África.
4.Financiamento de longo prazo
O documento reconhece que os países industrializados têm de mobilizar US$ 100 bilhões ao ano até 2020 para atender as necessidades dos países em desenvolvimento.
5.Desmatamento
Estabelece o mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd), que visa compensar os países emergentes que preservam suas florestas.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Descoberta de nova bactéria revoluciona concepção sobre a vida

A descoberta da bactéria GFAJ-1 é importante por se tratar de um organismo diferente de todos os outros

A definição de vida ficou mais complexa depois que a Nasa (agência espacial dos EUA) e a revista Science anunciaram ontem a descoberta de um micro-organismo capaz de se desenvolver e se reproduzir utilizando arsênio, um elemento químico tóxico para a maioria dos seres vivos. Além de mudar a compreensão sobre a vida na Terra, a descoberta também expande o horizonte para a busca de vida extraterrestre.

> Confira algumas descobertas e experiências da biologia e da genética que revolucionaram o mundo

Todas as formas de vida conhecidas até hoje — plantas, animais e micro-organismos — dependem de seis elementos químicos para construir as moléculas que compõem seus corpos: oxigênio, hidrogênio, carbono, fósforo, enxofre e nitrogênio. A bactéria descoberta pela equipe de cientistas liderada por Felisa Wolfe-Simon, do Instituto de Pesquisa Geológica dos EUA e do Instituto de Astrobiologia da Nasa, é a primeira exceção à regra, substituindo o fósforo pela arsênio.

Clique na imagem abaixo e confira por que o
micro-organismo recém-descoberto se diferencia
do restante dos seres vivos do planeta



Não é pouca coisa: o fósforo faz parte da estrutura do DNA, o ácido que fornece as características genéticas dos seres vivos. Ele forma o que se poderia considerar o esqueleto que sustenta a ligação para as quatro bases nitrogenadas do DNA — timina, adenina, guanina e citosina. Além disso, é um componente do ATP, a molécula usada para transportar energia no metabolismo celular.

— Na prática, caiu por terra aquele paradigma da ciência de que todos os seres vivos que conhecemos descendem de um ancestral comum — diz Renata Medina da Silva, professora e pesquisadora em microbiologia da Faculdade de Biociências da PUCRS (veja entrevista na edição de Zero Hora desta sexta-feira).


Encontrada pela Nasa em lago da Califórnia, bactéria que se nutre de elemento tóxico revoluciona conceitos científicos
Foto: David McNew, Getty Images, AFP, 22/06/2000


A “dieta” já incluía o arsênio

Todos os seres vivos conhecidos até hoje dividiam-se em três grandes grupos, ou reinos: as bactérias, os eucariontes (onde se incluem as plantas e os animais) e as archaea (uma forma semelhante à bactéria, mas que adquiriu também características dos eucariontes). Todas, no entanto, têm a mesma estrutura de DNA. Essa nova bactéria é a primeira que foge dessa característica e pode ter um ancestral diferente.

A ideia de que o arsênio poderia substituir o fósforo não é nova. Já havia sido apresentada por Felisa e seus colegas Ariel Anbar, da Universidade Estadual do Arizona, e Paul Davies, que também assina o artigo na Science, em trabalho publicado em 2009. Mas é a primeira vez que um organismo com essas características é descoberto.

— Até hoje, formas de vida que utilizam o arsênio para construir células eram apenas teóricas. Agora, sabemos que existem — diz o cientista Carl Pilcher, também da Nasa.

Descoberta deve mudar forma de procurar vida fora do planeta Terra

Além de redefinir o conceito de vida, a descoberta de uma bactéria com uma forma de DNA diferente de todas as demais espécies da Terra, anunciada ontem por cientistas da Nasa, terá impacto para as missões espaciais. Isso porque foi derrubada a noção de que a natureza se vale apenas de um restrito grupo de moléculas e reações químicas entre milhões de opções disponíveis para formar a vida.

Os instrumentos das naves e sondas usadas nas missões de exploração de outros planetas, por exemplo, foram projetados para detectar um punhado de elementos e reações químicas conhecidas por caracterizar a existência de vida na Terra. As Vikings, que falharam ao encontrar vida em Marte em 1976, foram desenhadas antes da descoberta de formas de vida submarina que habitam em torno de fontes de calor submersas e nos vales secos da Antártica.

>> Leia a reportagem completa na edição de Zero Hora desta sexta-feira

Em mapa, veja onde ocorreu a descoberta:

Visualizar Nasa descobre nova bactéria em um mapa maior
ZERO HORA