segunda-feira, 8 de abril de 2013

A visão ecológica: uma teia na enfermagem

Revista Brasileira de Enfermagem

Print version ISSN 0034-7167

Rev. bras. enferm. vol.58 no.3 Brasília May/June 2005

http://dx.doi.org/10.1590/S0034-71672005000300017 

REFLEXÃO

A visão ecológica: uma teia na enfermagem
 
Ecologic view: a web in the nursing
 
La visión ecologica: un tejido en enfermería
 
 
Estela Maria Leite Meirelles MonteiroI; Karla Maria Carneiro RolimII; Maria de Fátima Antero Sousa MachadoIII; Rui Verlaine Oliveira MoreiraIV
IEnfermeira do HUOC-PE. Professora da FENSG - Universidade de Pernambuco. Doutoranda em Enfermagem/UFC. Membro do grupo FAMEPE. Bolsista PQI/CAPES. estelameireles@fensg.upe.br
IIEnfermeira da Maternidade Escola Assis Chateaubriand-MEAC/UFC. Doutoranda em Enfermagem/UFC. Membro do Projeto Saúde do Binômio Mãe-Filho/UFC. Professora do Curso de Enfermagem da Universidade de Fortaleza - UNIFOR.
karlarolim@secrel.com.br
IIIEnfermeira, Doutoranda em Enfermagem/UFC. Professora Adjunto do Curso de Enfermagem da Universidade Regional do Cariri (URCA). Membro do grupo FAMEPE.
fatimaantero@bol.com.br
IVProfessor Titular da UFC e da disciplina Filosofia da Ciência do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFC.
ruiverlaine@yahoo.com.br
 
 

RESUMO
A partir de mudanças revolucionárias em conceitos de realidade ocasionadas pela física e pensamento modernos, nova e consistente visão do mundo surge, influenciada pela transição da física clássica para quântica. É propósito do estudo mostrar o pensamento de Capra favorecendo a disseminação do cuidado ecológico na enfermagem. O novo paradigma pode ser chamado de uma visão ecológica, a partir do entendimento de ecologia num sentido amplo e profundo. A saúde na visão holística e na teia de relações que compreende o pensamento ecológico exige do enfermeiro, em suas áreas de atividades uma percepção crítica concernente ao saber, saber-ser e saber-fazer, comprometido com transformações que afloraram das emoções, do encantamento, dos sentimentos, do cuidar da natureza como premissa para qualidade e existência da humanidade.
Descritores: Enfermagem holística; Conhecimento; Enfermagem.

ABSTRACT
From the revolutionary changes in reality concept, caused by physics and modern thoughts, new consistent vision of the world emerge and it is influenced from the classic physics to quantum physics transition. The aim of this study is to show Capra's thoughts influenced the ecologic nursing care dissemination. The new paradigm can be called an ecologic view in a wider and deeper perspective. Health in the holistic view of men with its relationship encompass an ecological thought in which requires nurses' competence area. Also it needs a critical thinking towards knowing, being and doing in order to compromise changes to raise emotions, enchantment and to take care of nature for the quality and existence of humanity.
Descriptors: Holistic nursing; Knowledge; Nursing.


RESUMEN
A partir de los cambios revolucionarios en conceptos de realidad impulsados por la física y el pensamiento moderno, nueva y consistente visión del mundo surge, influenciada por la transición de la física clásica hacia quántica. El estudio se propone mostrar el pensamiento de Capra influenciado la diseminación del cuidado ecológico en enfermería. El nuevo paradigma puede ser llamado una visión ecológica, partiendo de la comprensión de la ecología en un sentido amplio y profundo. La salud, la visión holística del hombre y del tejido de relaciones que abarca el pensamiento ecológico, exige del enfermero en sus áreas de actividad, una percepción crítica en relación al saber, saber ser y saber hacer comprometidos con transformaciones, el afloramiento de las emociones, del encantamiento, de los sentimientos, del cuidado de la naturaleza como premisa para la calidad y existencia de la humanidad.
Descriptores: Enfermería holisitica; Conocimiento; Enfermería.



1. REFLEXÕES INICIAIS
Uma crise mundial vem acontecendo nas últimas décadas; ela é complexa, multidimensional, e afeta todos os aspectos da vida humana, como a saúde, o modo de vida, a qualidade do meio ambiente, das relações sociais, da economia, tecnologia e política. É uma crise de dimensões intelectuais, morais e espirituais; uma crise de escala e premência sem precedentes em toda a história da humanidade.
A deterioração do meio ambiente natural tem sido acompanhada de um correspondente aumento nos problemas de saúde das pessoas. Enquanto as doenças nutricionais e infecciosas são as maiores responsáveis pelas mortes no Terceiro Mundo, os países industrializados são flagelados por doenças crônicas e degenerativas, chamadas "doenças da civilização", sobretudo as enfermidades cardíacas, o câncer e o derrame. Sob o aspecto psicológico, a depressão grave, a esquizofrenia e outros distúrbios do comportamento parecem brotar de uma deterioração paralela ao meio ambiente social.
No quadro contemporâneo, ressalta-se a dicotomia/fragmentação do homem resultante do pensamento de René Descartes (1596-1650), marcada pela visão mecanicista de Isaac Newton (1642-1727) até a tentativa de unicidade ensejada por Albert Einstein (1879-1955).
As idéias de Descartes são, logo de início, marcadas pela ruptura estabelecida por ele com o pensamento dominante em que fora formado: o escolasticismo. As conseqüências desta ruptura foram imediatas e constituem os outros destaques de suas reflexões: A mudança do enfoque ontológico para o gnosiológico; a dúvida como fundamento primeiro do método proposto para atingir a verdade; a clareza e evidência como critério de certeza; a existência de idéias inatas; a retomada da existência de Deus como garantia, em última análise, da existência e certeza das idéias claras e distintas; a visão mecânica do mundo e a valorização da matemática por causa da certeza e da evidência de suas razões.
Empenhou-se no sentido de usar o método analítico para formar uma descrição completa de todos os fenômenos da natureza, num único sistema preciso de princípios mecânicos, regidos pelas relações matemáticas.
É oportuno e bastante para o propósito deste trabalho lembrar estas suas palavras: "Comprazia-me sobretudo com as matemáticas, por causa da certeza e da evidência de suas razões; mas não percebia ainda seu verdadeiro uso e, pensando que só serviam para as artes mecânicas, espantava-me de que, sendo tão firmes e sólidos os seus fundamentos, nada de mais elevado se tivesse construído sobre eles"(1).
Newton tendo codificado a ciência da mecânica, por ele denominada de mecânica racional, foi igualmente defensor do modelo matemático como um novo procedimento científico. Atente-te ao que ele, de modo límpido, diz a respeito da indução e dos princípios gerais da análise e da síntese, ou da decomposição e da composição: "Tal como na matemática, também na filosofia natural a investigação das coisas difíceis pelo método de análise deve sempre preceder o método da composição. Essa análise consiste em fazer experimentos e observações e deles extrair conclusões gerais, através da indução, e em não aceitar nenhuma objeção contra as conclusões senão as que forem extraídas de experimentos ou de outras verdades seguras"(2).
No "Escólio Geral" dos "Princípios Matemáticos de Filosofia Geral e Sistema do Universo", possivelmente em resposta a Leibniz sobre a relação de Deus com o universo físico, ele é enfático ao afirmar que ainda não havia conseguido descobrir a causa da gravidade a partir de fenômenos e que hipóteses não se inventam. É esclarecedor este trecho de suas reflexões: "Até hoje, no entanto, não pude descobrir a causa dessas propriedades da gravidade a partir de fenômenos, e não invento hipóteses; pois tudo o que não é deduzido dos fenômenos deve ser chamado de hipótese, e as hipóteses, sejam elas metafísicas ou físicas, quer de qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental"(2).
As novas concepções da física têm gerado uma profunda mudança na visão de mundo mecanicista de Descartes e de Newton para uma visão holística, ecológica. Reconhece-se a mudança de paradigma em física como parte integrante de uma transformação cultural mais ampla.
No século XX, o início da nova física foi marcado por Einstein, revolucionário do pensamento científico, que acreditava profundamente na harmonia inerente à natureza. Sua maior preocupação foi descobrir um fundamento unificado para a física. Não concordando com a mecânica clássica e com a teoria da relatividade especial, pois "(...) este é um estado de coisas com o qual ninguém que pense logicamente pode se dar por satisfeito (...)", propõe a teoria da relatividade geral, ao afirmar que só esta última "(...) nos dá condições para deduzir propriedades do campo gravitacional através de procedimentos puramente teóricos"(3).
Em contraste com a concepção mecanicista cartesiana e newtoniana, a visão de mundo que está surgindo a partir da nova física pode caracterizar-se por palavras como orgânica, holística e ecológica. Uma revolução só poderá ser implementada se a estrutura da própria teia for mudada, o que envolverá transformações profundas nas instituições sociais, valores e idéias.
Dominada por uma visão sistemática, o universo deixa de ser visto como uma máquina, composta de uma infinidade de objetos, para ser descrito como um todo dinâmico, indivisível, cujas partes estão essencialmente inter-relacionadas e só podem ser entendidas como modelos de um processo cósmico.
Essa visão emergente não é compartilhada por toda a comunidade científica, mas está sendo discutida e elaborada por muitos físicos eminentes cujo interesse na ciência supera os aspectos de suas pesquisas. Mostram-se interessados nas implicações filosóficas da nova física, e tentam, com espírito aberto, melhorar a compreensão da natureza e da realidade.
Com base nessas reflexões tenta-se mostrar como o pensamento de Capra vem favorecendo a disseminação do cuidado ecológico na enfermagem.
 
2. O PONTO DE SUSTENTAÇÃO DO PENSAMENTO DE CAPRA
Fritjof Capra nasceu em 01 de fevereiro de 1939 na Áustria. Obteve o título de Doutor em Física pela Universidade de Viena em 1966. É considerado, na atualidade, um dos nomes mais significativos na divulgação da ciência, da filosofia e da ecologia. Seu nome está vinculado ao surgimento de uma nova maneira de entender a ciência como um dos meios para a compreensão da realidade, vinculando ao misticismo antigo a complementaridade dessa tarefa. O interesse de Capra pelas tradições místicas do Oriente surgiu em 1960 e imediatamente descobriu os paralelos em relação à nova física(4).
O pensamento de Capra é destacado principalmente em suas obras: O Tao da Física, O Ponto de Mutação, Sabedoria Incomum e A Teia da Vida que refletem todo o clima intelectual e espiritual que atualmente emerge no mundo, ou seja, reformula o pensamento no sentido de apreender uma maneira mais sensível e significativa de entendimento, propício a uma mudança fundamental da compreensão humana quanto à natureza do conhecimento científico, tanto na esfera das ciências físicas, quanto naquela das ciências biológicas e humanas, favorecendo uma extraordinária transformação cultural(5). Fundamentando seu pensamento Capra destaca que quando percebemos que nós e o planeta somos na verdade, um só, uma realidade, uma só consciência, teremos chegado a um ponto de descobrir que a nossa transformação não foi só uma mudança de atitude, mas uma mutação(6).
O novo paradigma pode ser chamado de visão holística do mundo, que o concebe como um todo integrado, e não como um conjunto de partes isoladas. Também chamado de visão ecológica, tomando o entendimento de ecologia num sentido muito mais amplo e profundo que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a independência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que indivíduos e sociedades estão encaixados nos processos cíclicos da natureza. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida(7).
A sobrevivência humana, que é ameaçada por ações advindas de uma visão de mundo mecanicista e fragmentada, só será possível se o homem for capaz de mudar radicalmente os métodos e os valores subjacentes à cultura individualista e materialista atual e à tecnologia de exploração do meio ambiente. Esta mudança deverá refletir-se em atitudes mais orgânicas, holísticas e fraternas entre os seres humanos e entre estes e a natureza(6).
O pensamento ecológico de Capra tem íntima relação com o sentido de viver saudável, preconizado através de encontros científicos internacionais que se baseiam na percepção do descuido com o cuidado ecológico e com a má qualidade de vida das pessoas, demonstrando atenção especial pela população dos países menos desenvolvidos, que apresentam elevada mortalidade infantil, desnutrição e fome.
Entretanto, esse adoecimento gerado no planeta demanda um desequilíbrio nas políticas públicas que permeiam os países mais desenvolvidos, cuja centralização dos investimentos de capital priorizam o mercado armamentista em detrimento do valor da vida e do planeta. É urgente provocar uma reviravolta nas mentalidades impregnadas de pensamento cartesiano e newtoniano, ao fragmentar e mecanizar o homem em partes cujos domínios de saber se atribui a especialidades sem a percepção do ser humano como ser integral inserido num contexto, em um ambiente.
Na relação dos seres humanos com a natureza emerge a coesão com a tão propalada física quântica, quando retomadas pela reflexão e afloramento dos sentidos, as pessoas se descobrem como seres formados por partes microscópicas em processo dinâmico de interação e troca de energia. Esse pensamento científico transcende o controle e domínio matemático da precisão e da experimentação, ocupando o espaço da probabilidade, aberto ao valor do acaso como possibilidade de avanços no crescimento e descobertas científicas.
Tal mudança de paradigma que atinge as diversas ciências requer do homem, que até então supervalorizava a dimensão técnico-cientifica, o resgate do desenvolvimento das competências humanas, as quais registram a essência do saber filosófico e ético do "modo de viver" da população e do planeta. Quando o homem se fecha ao questionamento do sentido da vida, atribuindo a si mesmo o "poder" e o domínio sobre a natureza e a vida humana, gera o caos, o desequilíbrio, a estagnação no processo de desenvolvimento no planeta.
Um caminho fértil para ir de encontro a esse caos é disseminar um novo modo de olhar o planeta e a existência da vida nele, fortalecendo as estratégias de promoção à saúde em busca de uma cidade saudável, de um viver digno, de um planeta habitável. É possível, então, encontrar na educação ecológica um elemento gerador de saberes comprometidos com a preservação do planeta como condição essencial para o cuidar da vida e da saúde(6).
 
3. A ENFERMAGEM A PARTIR DA TEIA ECOLÓGICA
Algumas idéias do pensamento de Capra encontram respaldo na literatura difundida por autores que contribuem para o cuidado em enfermagem. Estes estudos vêem a integralidade e a individualidade do homem, como ser complexo, ao retomar o elo corpo, mente e cosmos.
A valorização humana, a realização do cuidado individualizado e a ética do trabalho estão sendo repensadas. Os enfermeiros têm respostas a dar sobre o valor de seu trabalho, não somente no que concerne à remuneração, mas também no que diz respeito a um saber-poder socialmente edificado e como subjetividades que percebem, imaginam, simbolizam e criam, através de posturas e atitudes reais, uma condição de cuidar, ao perceberem o paciente como um ser merecedor de respeito e consideração(8).
No cuidado, identificam-se os princípios, os valores e as atitudes que fazem da vida um bem-viver e das ações um reto agir(9). Esses valores e atitudes convidam a transpor o desamparo e a prestar atenção à aflição do outro que sofre, trabalhando para que se revele toda a grandeza do ser humano.
A ação de enfermagem faz com que o sofrimento e a dor sejam minimizados. Através do cuidado e do conforto, revela-se uma prática impregnada de idéias de altruísmo, de amor ao próximo. Com isso, o outro se faz semelhante e deixa de ser o diferente.
Estas são atitudes do enfermeiro como ser vocacionado para o cuidado integral ao ser humano, que sente e vivencia no outro situações de dor, desconforto, sofrimento e morte, dando significado, no seu exercício profissional, à capacidade de ensejar a transformação do ato de cuidar em amor ao próximo(10).
A sensibilização do cuidado ao paciente está relacionada à visão holística que busca a compreensão do homem em sua singularidade e totalidade. Neste processo cotidiano de compaixão e participação no sofrimento do outro, forma-se a base real de todo o amor verdadeiro ao próximo, que só tem valor moral, na medida em que dela surge uma ação. Assim, o bem-estar e a dor do outro vêm ao encontro das pessoas e a diferença entre elas já não é diferença absoluta(11).
O cuidado sempre esteve presente na história humana e, como tal, uma característica da Enfermagem, envolvendo a paz, o bem-estar, a liberdade e o respeito(12).
Na realização de procedimentos técnicos, o cuidado pode ser representado pelo processo de interação daquele que cuida com o que é cuidado. Quando o enfermeiro concebe o ser humano na sua totalidade só então pode determinar o cuidado em sua integralidade. É importante ressaltar que o processo de cuidar envolve ações, atitudes e comportamentos com base na intuição e conhecimento científico(13).
Foi-se a época em que se acreditava que ser "bom enfermeiro" significava ter excelência técnica e científica. Hoje, sabe-se que o envolvimento com as necessidades humanas e espirituais é essencial para a assistência de enfermagem responsável e completa(14). Considera-se que cuidar do corpo não exclui cuidados com a alma; não existe saúde que não traga, ao mesmo tempo, salvação; o corpo não deve ser tratado como um objeto defeituoso(15).
Esse pensamento é ressaltado por Capra: "a percepção da ecologia profunda, como percepção espiritual ou religiosa é vivenciada quando a concepção de espírito humano é entendida como o modo de consciência no qual o indivíduo tem uma sensação de pertinência, de conexidade, com o cosmos como um todo"(6).
Não se pode direcionar os conhecimentos somente ao mecanicismo do cuidado, pois é ao ser em sua totalidade que se devota a assistência. Este pensamento deve ser constante e cabe à equipe de saúde mostrar seu empenho na prática do cuidado holístico. Transformação cultural requer conversão, mudança de rumo mental com vista a uma nova forma de comportamento relacional. É preciso, então, educar-se, adquirir-se maneiras novas de cuidar(16).
No cenário que desponta, é imperioso que o homem se despoje do seu egocentrismo aniquilador, arme-se de sentimentos de solidariedade e compaixão pelo outro, para que se reacenda a chama dos valores humanos de viver e conviver em coletividade, em defesa da dignidade humana, do respeito à vida, do planeta e valorização das culturas.
Essa preocupação com o outro é uma forma de compromisso com o estar-no-mundo, com o bem-estar geral, na preservação da dignidade humana e da espiritualidade, contribuindo para a construção do conhecimento, da vida(13).
O enfermeiro, por também desempenhar atividades de educador, deve participar e incentivar as mudanças necessárias, para que o cuidado de enfermagem dignifique o homem, nas situações de saúde e de doença. Para tanto, enfermeiros de serviços de saúde, interagindo a partir de uma mesma filosofia de trabalho, argumentando sobre atitudes legais e éticas da profissão e articulando esse conhecimento, certamente estarão trabalhando significativamente para a construção de novos paradigmas de cuidado.
Quando a prática reflexiva surge de uma educação transformadora embasada no diálogo e no exercício da consciência crítica, então as mudanças aparecem como resultado de uma realidade em que as pessoas envolvidas no processo retornam participativas. A conscientização passa a ter sentido de auto-avaliação, crítica e reflexiva, na tentativa de melhor cuidar de seu paciente(17).
O homem encontra na natureza sua fonte de energia. Esse processo dinâmico de interligação e troca de energia pode ser associado à integração dos sistemas que compõem o organismo humano, onde seu funcionamento adequado demanda um equilíbrio interno que não se estabelece sem uma interação com o meio externo. Portanto, sofre influência direta deste. Dos cientistas e profissionais de saúde é exigida a ampliação dessa percepção e do entendimento da saúde para avançar no tratamento e controle das doenças.
Focalizando um mundo marcado pela elevada mortalidade infantil em países em desenvolvimento, pelo desmatamento desordenado, pela poluição atmosférica e das águas, pela produção de lixo atômico, pelas guerras, pelos investimentos armamentistas, pelo extermínio de animais, pelo uso de agrotóxicos, pela produção de pesquisa alimentada pela área militar e por multinacionais movidas pelo interesse de lucro exacerbado e controle do mercado, emerge a essência do pensamento de Capra. Sua percepção é filtrada pelo entendimento da Teoria do Sistema Vivo, do ecossistema, onde a natureza deve ser compreendida através de conexões e relações.
Neste sentido, alerta-se que as ameaças a nossa saúde através da poluição do ar, da água e dos alimentos constituem meros efeitos diretos e óbvios da tecnologia humana sobre o meio ambiente natural. "A tecnologia está perturbando seriamente e pode até destruir os sistemas ecológicos de que depende a existência humana"(6).
A excessiva ênfase no método científico e no pensamento racional, analítico, levou a atitudes profundamente antiecológicas, com ameaças não só à saúde individual, como também à saúde social e ecológica, comprometendo a saúde das pessoas, da sociedade e dos ecossistemas de que o homem é parte integrante. A compreensão dos ecossistemas é dificultada pela própria natureza da mente racional. O pensamento racional é linear, enquanto a consciência ecológica decorre de uma intuição de sistemas não lineares. Assim, a consciência ecológica somente surgirá quando for aliada ao conhecimento racional uma intuição da natureza não-linear do meio ambiente(6).
É neste contexto que se pode conceber a saúde, não apenas como ausência de doença, mas como um sistema complexo que necessita ser alimentado e retroalimentado. Requer-se, na percepção do homem como ser holístico, um saber transdisciplinar renovado; este encontra-se alicerçado na idéia de querer estar mais próximo da natureza, do outro, de desejar conhecê-lo melhor, de acreditar que ainda tem muito por aprender e apreender, de reconhecer no saber do outro a essência da tentativa de compreender o todo.
 
4. REFLEXÕES FINAIS
Capra, a partir de seu conhecimento profundo da física quântica e como estudioso da espiritualidade propagada pela cultura oriental, convida as pessoas a refletirem na falta de percepção de mundo com base na ciência pura. O século XVII foi marcado pela cientificidade, onde predominou a idéia de considerar, como verdade absoluta, os fatos da natureza que podiam ser experimentados e provados através de cálculos e gráficos matemáticos, prevalecendo assim o enfoque mecanicista e fragmentado. O homem era comparado a uma máquina possível de ser dividido, estabelecendo-se a dicotomia mente-corpo. Essas idéias calcificaram os pensamentos da academia durante 300 anos.
Entretanto, os paradigmas vigentes não estão mais atendendo a própria evolução da ciência que não se limita à repetição, à predição, à construção de conceitos concretos, desvelados pela física quântica e teoria da relatividade, como se pode constatar pelas pesquisas em nível subatômica. Por outro lado, evidencia-se uma perda de controle do homem, dominado pelo poder e pela busca incessante no avanço científico e tecnológico, com o surgimento de questões éticas e humanísticas.
A insatisfação diante do paradigma dominante provoca seu rompimento para despontar com força total entre estudiosos de diferentes países, seja dentro ou fora da academia, em defesa do pensamento ecológico com abrangência planetária, estabelecendo-se e respeitando-se legislações ambientalistas, bem como propagando a necessidade de se criar uma sociedade sustentável.
A saúde, a partir da visão holística do homem e da teia de relações que atinge o pensamento ecológico, exige do enfermeiro em suas áreas de ensino, pesquisa e assistência uma percepção crítica de seu saber, saber-ser e saber-fazer comprometido com as transformações que marcam a atualidade. Isso possibilita o ressurgimento das emoções, do encantamento, dos sentimentos, do cuidar da natureza como premissa para uma melhor qualidade e existência da humanidade. O reconhecimento desta mudança estrutural contínua transcende a organização do planeta e permite a evolução no meio ambiente de modo criativo e não simplesmente adaptativo.
 
REFERÊNCIAS
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Data do recebimento: 09/08/2004
Data da aprovação: 11/10/2005



Trabalho da disciplina Filosofia da Ciência do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem/UFC